I. PREVENINDO-SE CONTRA A TENDÊNCIA JUDAIZANTE
1. Subindo outra vez a Jerusalém (Gl 2.1,2). Catorze anos
depois da sua conversão a Cristo, Paulo sobe pela segunda a vez a Jerusalém.
Essa segunda visita foi por revelação (v.2; At 11.27-30), não sendo uma
convocação pelos apóstolos para prestação de contas. Não podemos confundir essa
visita de Paulo com a sua ida ao Concílio de Jerusalém, registrado em Atos 15.
Infere-se que a Epístola aos Gálatas foi escrita antes do referido Concílio,
pois não há menção dele na carta, visto que o Concílio tratou do mesmo assunto
(At 15.5,6). Somando os anos mencionados em Gálatas, podemos afirmar que essa
visita aconteceu antes de sua Primeira Viagem Missionária.
2. Objetivo da reunião. É bom lembrar que essa reunião não
foi um concílio nem um sínodo. É possível que essa segunda visita, por meio de
revelação (v.2), tenha ligação com Ágabo, pois a missão de Paulo, pelo que
parece, foi levar donativos para os irmãos pobres da Judeia (At 11.27-30).
Aproveitando a ocasião, o apóstolo expôs o Evangelho que vinha pregando aos
gentios há catorze anos (vv.1,2). Ele tinha convicção de que recebeu esse
Evangelho de Deus e estava consciente de que a sua subida a Jerusalém era em
obediência a uma ordem divina.
3. Tito e a circuncisão (v.5). Barnabé era judeu (At 4.36) e
seu nome aparece três vezes nesse capítulo (vv.1,9,13); sua presença na reunião
em Jerusalém não seria um problema. Tito, no entanto, sendo grego, foi um risco
que Paulo correu, mas não foi uma provocação introduzir um incircunciso no seio
dos judeus. Os judaizantes queriam que Tito fosse circuncidado. Encontramos no
Novo Testamento a compreensão e a tolerância de Paulo com os fracos na fé, a
ponto de circuncidar Timóteo, mas ele era judeu, pois sua mãe era judia (At
16.3); no entanto, nessa reunião em Jerusalém, onde expôs o Evangelho que
pregava aos gentios, ele não cedeu nem um pouco, “nem por uma hora” (v.5). Isso
por duas razões: Tito era grego, e porque estava em jogo a verdade do Evangelho
e o futuro do próprio Cristianismo.
OUTRO EVANGELHO
“Em grego allos significa outro do mesmo tipo. Heteros
significa outro de um tipo diferente. O evangelho que estes judaizantes tinham
apresentado aos gálatas era um evangelho heteros: um evangelho essencialmente
diferente do evangelho de Deus. Paulo disse que este evangelho: ‘Não há outro’.
Por quê? Porque o evangelho é ‘Boa-Nova’. Qualquer mensagem que nos diga ‘se
esforce mais’, mesmo se recebemos um livro de regras, não é absolutamente uma
boa-nova. Não importa o quanto você e eu possamos tentar, jamais seremos bons o
bastante para escaparmos das cadeias do ‘presente século mau’. Somente a graça
de Deus, entrando na história, na pessoa de Jesus Cristo, e fazendo por nós o
que jamais poderíamos fazer sozinhos, é verdadeiramente o evangelho,
‘Boas-Novas’.” (RICHARDS, Lawrence O. Comentário Devocional da Bíblia. Rio de
Janeiro: CPAD, 2012, p.843).
II. A TENDÊNCIA JUDAIZANTE NO INÍCIO DA IGREJA
1. O espanto do apóstolo. Tão logo Paulo retornou de sua
viagem, ficou sabendo que os irmãos da Galácia estavam vivendo outro evangelho,
e isso deixou o apóstolo estarrecido e atônito pela rapidez do desvio deles (Gl
1.6). O verbo grego metatithesthe, “deixar, abandonar, desertar, mudar de
pensamento, virar a casaca”, que o apóstolo emprega nessa passagem, era usado
na antiguidade quando alguém desertava do exército ou se rebelava contra ele.
Isso significa também mudança de partido político, filosofia e religião. Em
outras palavras, aqueles irmãos gálatas estavam abandonando a fé.
2. Quem eram os judaizantes (v.4)? O termo judaizante vem do
verbo grego ioudaizō, “viver como judeu, adotar costumes e ritos judaicos”, e
aparece uma única vez no Novo Testamento (Gl 2.14). Eles eram os opositores de
Paulo identificados também como “falsos irmãos” (v.4). São reconhecidos no
capítulo anterior (Gl 1.7) como os que se apresentavam como enviados por
Jerusalém, a igreja-mãe. Na verdade, esses homens saíram de Jerusalém por sua
própria conta. Tiago negou formalmente as declarações deles, dizendo que não os
havia enviado (At 15.24). Eram legalistas dentre os judeus, e por isso chamados
de judaizantes. Esses judeus, convertidos ao Senhor Jesus, ensinavam que os
gentios deveriam observar a Lei de Moisés como condição para salvação (At
15.1).
3. O clima de tensão (vv.3-5). Não é necessário muito
esforço para perceber o quanto Paulo e Barnabé foram pressionados pelos
judaizantes diante dos demais apóstolos de Jerusalém. À luz do versículo 9,
parece que somente João, Pedro e Tiago estavam presentes. Os outros apóstolos
deviam estar em plena atividade missionária em outras regiões. Os judaizantes
chamados de “falsos irmãos” conseguiram “furar o bloqueio” e entraram sem serem
convidados à reunião (v.4). Eram inimigos da liberdade cristã, do Evangelho, de
Paulo e do próprio Cristianismo. O pior de tudo é que essas pessoas estavam
infiltradas na igreja, e conseguiam até entrar em reuniões apostólicas.
SEJA ANÁTEMA
“A palavra ‘anátema’ (gr. anathema) significa que a pessoa
caiu sob a maldição de Deus, está condenada à destruição e receberá o juízo de
Deus, a punição eterna e a separação permanente de Deus:
1. Paulo expressa a atitude inspirada pelo Espírito Santo de
ira justificada e juízo para aqueles que tentam distorcer o evangelho original
de Cristo (v.7) e modificam a verdade revelada na Palavra de Deus. Esta mesma
atitude estava evidente em Jesus Cristo (Mt 23.13), Pedro (2Pe 2), João (2Jo
vv.7-11) e Judas (Jd vv.3,4,12-19) e será encontrada no coração de cada
seguidor de Cristo que ama e defende a verdade de Cristo revelada na Palavra de
Deus. Isto se deve ao fato de o povo fiel de Deus estar convencido de que a
mensagem de Cristo é as boas-novas de salvação, indispensáveis para um mundo
que está espiritualmente perdido e separado de Deus devido aos seus caminhos
pecaminosos e rebeldes (veja Rm 1.16; 10.14-15);
2. Entre os que estão condenados se incluem todos os que
pregam um evangelho contrário à mensagem que Paulo pregava, que lhe fora
revelada por Cristo (vv.11,12; veja o v.6, nota). Qualquer pessoa que
acrescente algo ou remova algo da mensagem original e fundamental de Cristo e
dos apóstolos (isto é, aqueles que foram pessoalmente encarregados por Jesus
para estabelecer a sua mensagem na Igreja Primitiva) estará sob a maldição de
Deus: ‘Deus tirará a sua parte da árvore da vida’ (Ap 22.18,19);
3. Deus ordena que todos os seguidores de Jesus defendam a
fé (Jd 3, nota), que tenham uma atitude de amor quando em confronto com outras
pessoas (2Tm 2.26-26) e que se separem de professores, ministros e outras
pessoas na igreja que neguem as verdades fundamentais ensinadas por Jesus e
pelos apóstolos (vv.8,9; Rm 16.17-18; 2Co 6.17; At 14.4).” (Bíblia de Estudo
Pentecostal — Edição Global. Rio de Janeiro: CPAD, 2022, pp.2153,2154).
III. A TENDÊNCIA JUDAIZANTE HOJE
1. O mesmo Evangelho (vv.7-9). O Evangelho é um só, não há
dois. O Evangelho de Pedro e o de Paulo, também chamado respectivamente de
Evangelho da Circuncisão e da Incircuncisão, são meras formas de apresentação,
pois o conteúdo é o mesmo. Ambos receberam uma incumbência da parte de Deus,
mas com audiências diferentes. O compromisso de Paulo era com os gentios, ele
foi constituído, por Deus, apóstolo e doutor dos gentios (1Tm 2.7; 2Tm 1.11)
para pregar aos não judeus (Rm 11.13); o de Pedro era com os judeus, mas a
mensagem é a mesma.
2. O perigo da doutrina judaizante. Os apóstolos viam em
tudo isso dois problemas sérios: ameaça à liberdade cristã e o perigo de o
Cristianismo se tornar uma mera seita judaica. Os cristãos judaizantes
alteravam o cerne do Evangelho, pois colocavam a Lei como complemento da obra
que Jesus efetuou no Calvário. Era, de fato, “outro evangelho”, por isso o
apóstolo Paulo os amaldiçoou (Gl 1.8,9). Na verdade, quem tem o Espírito Santo
vive pelo Espírito. Então, contra a tendência judaizante é preciso aprender a
viver na dependência do Espírito e não da Lei, lutando contra os vícios da
carne e buscando as virtudes do fruto do Espírito.
3. As práticas judaizantes atuais. Elas são basicamente a
guarda do sábado, a observância rigorosa do kashrut (termo hebraico para as
leis dietéticas do judaísmo), a liturgia da sinagoga, o uso do shofar,
“trompa”, geralmente feito de chifre de carneiro; o uso de talit, o manto ou
xale usado para oração; e, o uso do kippar, o solidéu que os judeus religiosos
usam sobre a cabeça.
a) Os judeus. Os judeus messiânicos, principalmente em
Israel, seguem a tradição judaica. Isso acontece simplesmente para preservar a
identidade cultural deles e tem amparo neotestamentário: “É alguém chamado,
estando circuncidado? Fique circuncidado” (1Co 7.18a). Ou seja, na conversão a
Cristo do judeu, ele não precisa mudar a sua tradição e cultura.
b) Os não judeus. Da mesma forma: “É alguém chamado, estando
incircuncidado? Não se circuncide” (1Co 7.18b). Ou seja, ele não precisa se
judaizar. É erro o não judeu adotar práticas judaicas na liturgia e no dia a
dia para imitar o Judaísmo. Paulo conclui: “Cada um fique na vocação em que foi
chamado” (1Co 7.20).
CONCLUSÃO
O resultado da reunião foi desfavorável aos judaizantes. Só
o fato de os apóstolos, sendo judeus, concordarem com a explicação sobre a
especificidade de cada grupo dada por Paulo, já apontava o engano desses
legalistas sobre a obra salvífica em Cristo. Esse resultado serviu tanto aos
gálatas como a todo o Cristianismo nesses mais de vinte séculos de história.
Assim, a diferença entre os judeus messiânicos e os cristãos judaizantes atuais
é que os judeus estão preservando uma cultura hereditária do seu povo e os
judaizantes colocando “remendo novo em pano velho” (Mt 9.16).
SOMOS CRISTÃOS
Nesta lição, veremos o trabalho dos apóstolos para prevenir
a igreja da tendência judaizante que predominava no primeiro século. Era um
tempo em que os fundamentos apostólicos haviam sido lançados havia pouco tempo
e a compreensão clara do Evangelho estava sendo desenvolvida progressivamente
entre os judeus novos convertidos e os gentios. Nesse cenário, alguns grupos
judaizantes que se autodenominavam enviados da igreja-mãe em Jerusalém causaram
certo desconforto a Paulo, bem como tentavam distorcer a fé dos irmãos gentios
recém-convertidos. Em síntese, eram legalistas que ensinavam que os gentios
deveriam converter-se ao judaísmo, observar a Lei de Moisés e, somente então,
poderiam desfrutar da graça do Evangelho.
Para combater as investidas dos falsos irmãos que tentavam
ensinar um “falso evangelho”, somente ensinando o verdadeiro Evangelho. A
fidelidade de Paulo, assim como dos demais apóstolos ao entendimento do
Evangelho da graça que aponta Cristo como o cumprimento perfeito da Lei, não
deixa espaço para legalismo ou comprometimento da liberdade cristã. Nesse
sentido, a disposição dos apóstolos em rejeitar qualquer tentativa de alterar o
cerne da mensagem do Evangelho era e continua sendo o melhor caminho.
No comentário da Bíblia de Estudo Pentecostal — Edição
Global (CPAD), vemos que “Paulo era gentil, tolerante e paciente com relação a
muitas coisas (cf. 1Co 13.4-7), mas era firme e inflexível com respeito à
‘verdade do evangelho’. A revelação que ele recebera diretamente de Cristo (Gl
1.12) é a única mensagem que possui o poder de salvar todos os que creem nela,
receberam-na e reagem positivamente a ela (Rm 1.16). Paulo entendia que nunca
se devem fazer concessões a este evangelho (isto é, as ‘boas-novas’; veja Mc
14.9) em nome da paz, unidade ou da opinião da moda. Tanto a honra de Jesus
Cristo como a salvação dos que estão espiritualmente perdidos (isto é, que não
receberam o perdão de Deus e um relacionamento pessoal com Cristo) estavam em
jogo. Se negligenciarmos ou abandonarmos qualquer parte do Evangelho, de acordo
com a revelação do Novo Testamento, começaremos a destruir a única mensagem que
nos pode salvar da destruição eterna (cf. Mt 18.6)” (2022, p.2155).
A resposta de Paulo e dos apóstolos é uma referência para
pastores e mestres da igreja hoje. Não podemos em hipótese alguma negociar as
verdades fundamentais da fé que norteiam a conduta cristã. Este é um
compromisso que deve ser mantido com firmeza e coragem frente aos ventos de
doutrina dos dias atuais.
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